Leia, na íntegra, a nota de apoio as pessoas intimidadas pela empresa. A carta está disponível em português, inglês e espanhol.
A empresa Ypióca Agroindustrial interpelou judicialmente o professor do Departamento de Geografia da UFC Jeovah Meireles e o jornalista Daniel Fonsêca, pelo fato de eles terem divulgado informações de domínio público que contrariaram seus interesses empresariais. A atitude da empresa foi uma reação à repercussão de uma matéria redigida pelo jornalista alemão Nobert Suchanek (intitulada "Hipocrisia na Bio-qualidade" e com repercussão internacional), a partir de uma palestra proferida por Jeovah Meireles durante o I Seminário Nacional contra o Racismo Ambiental (Rio de Janeiro, 11/2005). A questão principal refere-se à responsabilização da YPIÓCA por injustiças ambientais e violações dos direitos humanos do povo indígena Jenipapo-Kanindé de Aquiraz (CE).
O motivo das medidas judiciais foi a denúncia e divulgação dos danos ambientais causados pela YPIÓCA à Lagoa da Encantada e do desrespeito aos direitos humanos do povo indígena Jenipapo-Kanindé, fato já de amplo conhecimento da sociedade, inclusive do Ministério Público Federal, do Ibama e da Funai.
As condutas da YPIÓCA ensejaram inclusive a perda do Selo Orgânico concedido pelo Instituto Biodinâmico (vinculado a um instituto alemão). A resposta dada pela empresa ao fato foi a abertura de um processo judicial para que a matéria jornalística fosse censurada e o jornalista, punido. Mesmo assim, a reportagem encontra-se publicada em vários sítios internacionais e em importantes redes de movimentos sociais e de entidades defensoras dos direitos humanos.
O problema remonta há mais de 20 anos, nos quais a empresa vem destruindo a Lagoa da Encantada, alterando a qualidade da água e o ecossistema de usufruto indígena. Trata-se indistintamente de uma degradação a um sistema ambiental de preservação permanente, uma vez que o ecossistema é fundamental para a etnia, por estar relacionado à segurança alimentar, à identidade cultural e ao cotidiano dos índios Jenipapo-Kanindé, que habitam ancestralmente a região. Esse fato, na verdade, é apenas mais um dos conflitos que vêm ocorrendo entre a etnia e a YPIÓCA.
Com a finalidade de irrigar a monocultura da cana-de-açúcar (matéria-prima para a produção de cachaça), a empresa promove o bombeamento indiscriminado da água, polui o lençol freático, prejudica o abastecimento, a pesca e a agricultura de subsistência das comunidades que margeiam a Lagoa, em detrimento dos serviços ambientais de fundamental importância para a qualidade de vida dos índios Jenipapo-Kanindé. A degradação se deu, sobretudo, por causa da liberação de vinhoto, produto do processo industrial de fabricação da cachaça.
Além de todos esses danos causados, os donos da Ypióca sequer reconhecem a existência da etnia e negam a existência de índios em todo o litoral cearense. Conforme podemos verificar no seguinte trecho, presente na interpelação feita pelo advogado da empresa: "Inexiste qualquer registro histórico da presença de índios naquela área do litoral cearense, sendo oportuno assinalar que o nome "Jenipapo-Kanindé" foi criado por interessados no ressurgimento de índios no litoral cearense (...) Não há, em toda costa cearense, qualquer comunidade que tenha ou mantenha usos, costumes e tradições tribais". Tal afirmação contraria, inclusive, o governo federal que, no Diário Oficial da União nº 159, de 18 de agosto de 2004, reconhece essa etnia e delimita sua terra.
Com essas ações, a Ypióca soma-se a outras empresas que, na busca de altos lucros, agridem e mercantilizam a natureza, degradam territórios indígenas e culturas tradicionais e desrespeitam os direitos humanos, dentro da lógica do mercado e do capital, geralmente com o apoio de governantes. Esta é a lógica histórica de extermínio de todos os povos indígenas, nas suas diferentes etnias, que perdura desde a colonização. Em 1863, uma decisão do governo provincial decretava a "extinção" de índios no Ceará. Hoje, grandes empreendimentos, realizados com a conivência e omissão das autoridades, são responsáveis por destruir o meio ambiente e a cultura dos povos. São exemplos: a carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) e a construção de Resorts Turísticos e campos de golfe no litoral; da Torre Iguatemi Empresarial na margem do rio Cocó e de outros megaempreendimentos nos manguezais e dunas da Zona Costeira cearense. Isso ocorre no momento em que a crise desse modelo de desenvolvimento se aprofunda globalmente, colocando em risco a vida e o planeta. Que o diga o relatório sobre o aquecimento global do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) da ONU.
Junto com isso, vêm a perseguição com censura a jornalistas e pesquisadores independentes, o cerceamento à liberdade de expressão e a tentativa de intimidação a quem denuncia, protesta e se solidariza com quem luta. No caso do professor Jeovah Meireles, não é só a Ypióca que tenta criminalizá-lo mas também o grupo Nova Atlântida Ltda, que encaminhou uma série de ações contra ele, por ter elaborado um estudo, juntamente com a professora Marcélia Marques (UECE), sobre os impactos socioambientais de um empreendimento de 42 resorts e hotéis, 8 campos de golfe e 5 marinas que a empresa pretende construir na Terra Indígena Tremembé de São José e Buriti. O projeto teve sua licença de instalação suspensa por ação civil do Ministério Público Federal no Ceará. Mais um caso de dano social e racismo ambiental a uma comunidade indígena.
Diante de todas essas injustiças, a história de lutas e de resistência dos povos não pode ser silenciada! À luta cotidiana dos Jenipapo-Kanindé vêm somando-se uma série de entidades ambientalistas, professores (as), estudantes e demais defensores (as) dos direitos humanos. Nós abraçamos a causa em defesa do meio ambiente e dos povos! Defendemos a liberdade de expressão, o exercício profissional dos jornalistas e a autonomia e legitimidade da produção científica e tecnológica das universidades.
Somos contra qualquer tipo de intimidação, coerção ou impedimento da afirmação e autodeterminação de etnias, gêneros e gerações (crianças, jovens e idosos). Somos a favor de que toda e qualquer atividade produtiva esteja sempre em busca da construção de uma sociedade humanamente diversa, socialmente igual, completamente livre e ambientalmente sustentável.
Por isso, em defesa dos povos, somos todos e todas Jenipapo-Kanindé e Tremembé de São José e Buriti! Somos todos e todas Jeovah Meireles, Nobert Suchanek e Daniel Fonsêca. Sentimo-nos todos e todas interpelados (as), assumimos como nossas todas as afirmações que foram alvo de interpelações e nos posicionamos:
- Em repúdio à prática destrutiva e socioambiental danosa da empresa YPIÓCA e às medidas judiciais impetradas por ela a fim de calar os movimentos sociais.
- Pelo fim imediato de tentativas de criminalização e intimidação de pesquisadores (as), jornalistas, lideranças indígenas e comunitárias, independentes e críticos, que lutam pelos direitos humanos e pela justiça e sustentabilidade ambientais.
- Em defesa da preservação da natureza, da demarcação de todas as terras indígenas, pela liberdade de expressão, pela reafirmação da função social da universidade pública e por uma nova sociedade possível e necessária!
- Que o Judiciário cearense não sirva a interesses privados e se atenha à garantia do exercício das garantias constitucionais e dos dispositivos previstos nos instrumentos internacionais de direitos humanos e socioambientais dos quais o Brasil faz parte.
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O C.A de Psicologia assinou essa nota juntamente com diversas entidades.
em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/08/390354.shtml